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O que é a PL das Fake News e porque ela tem esse nome?

Momento histórico e o projeto de lei

O PL 2630/2020, também chamado de “PL das Fake News”, de autoria do Senador Alessandro Vieira (CIDADANIA-SE), surge em um cenário delicado, tanto para o Brasil, quanto para o restante do mundo.

No ápice da pandemia do Coronavírus, onde a grande maioria da população se encontra isolada fisicamente devido a determinações governamentais em busca de uma diminuição de contágio, as redes sociais se tornam a melhor forma de divulgação de notícias, contato com familiares e com a vida externa ao mundo enclausurado daquele momento.

Contudo, com o uso desenfreado de meios de comunicação online, ou provedores de aplicações, fica evidente também a dimensão da força que essas plataformas possuem. 

Por meio da rede é possível encontrar pessoas de pensamentos diversos, que compactuam muitas vezes com pensamentos do usuário médio, formando grandes centros virtuais de identificação e sensação de pertencimento.

Nesse cenário, começam a serem levantadas algumas preocupações:

  • A existência de contas falsas, com usuários fantasmas; 
  • Redes automatizadas de distribuição, popularmente conhecidas como robôs;
  • O patrocínio velado de conteúdo.

Os receios provêm da ampla divulgação de desinformações nas redes sociais, com falsas notícias (Fake News) sobre a pandemia do coronavírus, eleições municipais próximas e do discurso de ódio patrocinado. 

Conforme o estudo Iceberg Digital, divulgado em 2020 pela Kaspersky em parceria com a empresa latina de pesquisa Corpa, 62% dos brasileiros à época, não sabiam diferenciar uma notícia falsa de uma verdadeira[1]. 

O que pode gerar um alto índice de insegurança para alguns, para outros se torna uma ferramenta de manipulação e métodos de ampliação de discursos de ódio e comportamentos radicalizados.

Nesse contexto, surge o Projeto de Lei 2630/2020, que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet [2], sendo apelidado de PL das Fake News. Contudo, o projeto busca mais que meramente combater a disseminação de notícias falsas. 

A responsabilização de provedores como objetivo central

Em verdade, o núcleo do PL é o de criar mecanismos de auditoria, fiscalização e responsabilização de Provedores de aplicações como redes sociais e os chamados serviços de mensageria privada (ex.: Whatsapp e Telegram).

Aqui, cabe-nos realizar uma breve diferenciação dos tipos de provedores existentes, uma vez que a correta identificação das entidades presentes na Internet é imprescindível para uma regulação justa. 

Como pontuam Souza e Lemos, é imprescindível “para que se possa afirmar o regime de responsabilização correspondente, especialmente quando se trata de analisar os comportamentos desempenhados por usuários dos serviços prestados e o grau de ingerência do provedor sobre os mesmos” [4].

O Superior Tribunal de Justiça, adota o entendimento de que provedores de serviço de internet “são aqueles serviços ligados ao funcionamento dessa rede mundial de computadores, ou por meio dela” [5]. Nesse sentido as espécies de provedores estão subdivididas da seguinte forma:

  • Provedores de backbone;
  • Provedores de acesso;
  • Provedores de hospedagem;
  • Provedores de informação;
  • Provedores de conteúdo.

A Lei Federal Nº 12.965 de 2014, mais conhecida como Marco Civil da Internet [3], realiza em seu artigo 5º a diferenciação em dois tipos de atividades de provedores: a de conexão à Internet e a de aplicações de Internet.

A primeira se refere aos chamados Backbone, que pode-se citar como exemplo no Brasil, a Vivo, Net, Claro e outras responsáveis pela disponibilização de conexão à Internet.

Para fins do disposto no PL 2630/2020, é evidente que este se preocupou apenas com os chamados Provedores de informação  que criam conteúdos, como os próprios usuários, e os de conteúdo, ou seja, “que disponibilizam na rede os dados criados ou desenvolvidos pelos provedores de informação ou pelos próprios usuários da web”. [5] Tais espécies, são também chamadas de Provedores de aplicações.

A busca da responsabilização de provedores de aplicação por conteúdos compartilhados em suas plataformas não é nova para o ordenamento jurídico brasileiro.

O MCI – Marco Civil da Internet, tratou do tema, em especial, nos seus artigos 18, 19 e 21, e são categóricos em afirmar a não responsabilização dos provedores pelo conteúdo, salvo a não retirada destes em descumprimento de ordem judicial ou após notificação da vítima de conteúdo sexual divulgado sem seu consentimento.

Dessa forma, o MCI  adotou em sua estrutura a chamada responsabilidade de natureza subjetiva dos provedores, ou seja, serão responsabilizados quando estes não adotarem medidas efetivas para a retirada de conteúdo lesivo, após ciência do mesmo, seja por notificação da vítima (art.21 do MCI) ou por determinação judicial.

Nesse sentido, a mera existência de conteúdo falso, ofensivo ou ilegal, a princípio não geraria a responsabilidade objetiva do provedor.

O novo projeto de lei objeto deste artigo, busca criar mecanismos que ressaltam a importância de uma gestão efetiva dos provedores a respeito do conteúdo constante em suas plataformas na internet. 

Como com a obrigação de emissão de relatórios anuais por todos que possuírem uma base de usuários de 2 milhões ou mais. A necessidade de implementação de boas práticas de transparência e fiscalização, em especial a de conteúdos patrocinados, ou seja, onde um usuário faz pagamentos à plataforma para divulgação de notícias, produtos, serviços e informações.

A vedação da mera existência de contas falsas, por exemplo, sob pena de responsabilização por órgão sancionador, é talvez uma importação da responsabilidade objetiva prevista na súmula 479 do STJ [6], em que instituições financeiras respondem por danos causados por fraude e delitos de terceiros, decorrente de caso fortuito interno.

Dessa forma, a mera existência da conta fraudulenta incorre na responsabilização daquele que teria o dever de verificar a sua veracidade.

Possíveis consequências

É importante ressaltar que, a criação de métodos onde o provedor possui o dever de fiscalizar, monitorar e consequentemente filtrar conteúdos, é um tanto temerosa, pois incita a ideia da criação de uma plataforma que é tanto fiscalizadora quanto juíza das próprias causas. 

Nesse sentido, cláusulas pétreas como a liberdade de expressão e livre pensamento podem ficar à margem do ornamento, sob a discricionariedade de entidades privadas que terão, não só a possibilidade, mas o dever de fiscalizar a todo o momento as atividades desenvolvidas por seus usuários.

Não negasse a importância e relevância do discutido no PL 2630/2020, contudo, é necessário que se atente para as consequências que um projeto de lei pode trazer. 

O que deve-se buscar são métodos que responsabilizem a negligência, ingerência e compactuação com atividades ilegais, de Provedores de aplicação. Garantindo o livre desenvolvimento da personalidade, a liberdade de expressão e a dignidade da pessoa humana, combatendo o discurso de ódio, a disseminação de notícias falsas e trazendo transparência ao patrocínio de conteúdos.

Certo de que o Projeto de lei discutido neste artigo, não exaure o assunto e a necessidade de regulação dos provedores, você pode dar continuidade e aprofundamento no tema. Para isso confira o artigo: O Papel das Redes Sociais na Disseminação de Fake News e o Direito à Liberdade de Expressão, disponível aqui no Blog de Direito do IDP.

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Referências

RODRIGUES, RENATO. Pesquisa: Os Perigos Ocultos da Internet. Kaspersky daily, 2020. Disponível em: <https://www.kaspersky.com.br/blog/digital-iceberg/13996/>. Acesso em: 19/09/2023.[1]

Brasil. Senado Federal. Projeto de Lei PL 2630/2020. Institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Disponível em: <https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8110630&disposition=inline&_gl=1*fyg2od*_ga*MTk5MzkyODYxMS4xNjk1MTMwMjc1*_ga_CW3ZH25XMK*MTY5NTEzMDI3Ni4xLjEuMTY5NTEzMDk2Ni4wLjAuMA>. Acesso em: 19/09/2023.[2]

Brasil. Lei Federal Nº 12.965, de 23 de Abril de 2014. Marco Civil da Internet. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12965.htm>. Acesso em: 19/09/2023.[3]

SOUZA, CARLOS AFFONSO. LEMOS, RONALDO. Marco civil da Internet: construção e aplicação. 1. ed. Juiz de Fora: Editar Editora Associada Ltda, 2016. [4]

Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Resp 1316921/RJ. Relatoria Ministra Nancy Andrighi. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?i=1&b=ACOR&livre=((%27RESP%27.clas.+e+@num=%271316921%27)+ou+(%27REsp%27+adj+%271316921%27).suce.)&thesaurus=JURIDICO&fr=veja> Acesso em: 19/09/2023. [5]

Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 479. Disponível em: <https://scon.stj.jus.br/SCON/sumstj/toc.jsp?livre=%27479%27.num.&O=JT>. Acesso em: 19/09/2023. [6]

MORAIS, FERNANDA. O Papel das Redes Sociais na Disseminação de Fake News e o Direito à Liberdade de Expressão. Blog IDP. Direito Digital. Disponível em: <https://direito.idp.edu.br/idp-learning/direito-digital/fake-news/>. Acesso em: 19/09/2023. [7]

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