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Prescrição e Decadência: o Tempo e o Direito

Qual a importância da prescrição e decadência.

Embora à primeira vista não pareça, os institutos da prescrição e da decadência têm íntima relação com a segurança jurídica, principalmente, a estabilização das relações humanas ao longo do tempo, a qual traz harmonia às relações humanas e, assim, concretiza o principal objetivo do direito, a paz social.

Apenas para facilitar o raciocínio, começaremos pelo início, ao estudarmos em Teoria Geral do Estado – TGE – as finalidades do direito para a sociedade, a mais proeminente é pacificação social, o direito tem por objetivo o convívio harmônico entre as pessoas a partir da regulamentação da vida humana.

Uma das formas de se atingir tal objetivo é a garantia de segurança jurídica das relações humanas, a qual se consubstancia dar previsibilidade às atitudes humanas, não permitir “surpresas” nas relações jurídicas.

É justamente neste aspecto que a prescrição e a decadência atuam, ao não permitir que uma pessoa possa exercer seu direito contra outra a qualquer tempo, tais institutos permitem que as relações se consolidem, apenas. 

A título de exemplo, imagine ser cobrado em 2023 por uma dívida constituída em 1984 que talvez sequer se lembre, não lhe parece absurdo? Com toda certeza isso te deixaria surpreso. Pois bem, para evitar esses imprevistos é que existe a prescrição e a decadência.

O que é a prescrição e a decadência? Quais suas semelhanças e diferenças?

A explanação acima pincelou os conceitos de prescrição e decadência, todavia fez parecer que são irmãos idênticos de nomes diferentes, não é bem assim, embora ambos tenham relação com o tempo e a estabilização das relações jurídicas, estes conceitos são distintos.

Em respeito à ordem alfabética, começaremos pela decadência, é regulada nos artigos 207 e seguintes do Código Civil – CC – e se caracteriza pela perda do direito material em si devido ao seu não exercício. Por exemplo, o CC estabelece em seu art. 505 a cláusula de retrovenda, ainda neste artigo determina que se o vendedor não decidir recomprar o imóvel em 3 (três) anos, perde tal direito.

Já a prescrição é a perda do direito de ação, de pleitear, o direito material em si, ou seja, o direito material continua a existir, mas não é mais possível pleiteá-lo. A palavra prescrição se origina do latim praescriptio (prae=antes + scriptio=escrito), que no direito romano denota ser uma questão anterior ao próprio direito material e até hoje tem este caráter preliminar.

Pela própria definição já é possível notar a primeira diferença entre a decadência e a prescrição, enquanto na decadência o direito material em si decai pelo seu não exercício, na prescrição decai apenas o direito de pleitear o direito material. 

Ou seja, quando se diz que uma dívida está prescrita, não é que esta simplesmente deixou de existir, mas que não há mais a possibilidade de a pessoa forçar ao devedor a pagá-la.

Já a segunda diferença entre os institutos diz respeito à origem, enquanto a decadência se inicia juntamente com o nascimento do direito, a prescrição se inicia a partir do momento que o direito é violado. O direito, portanto, preexiste à prescrição. 

No nosso exemplo da retrovenda, a decadência se inicia com a celebração do contrato de compra e venda, ou seja, a decadência começa a contar da data que “nasce” o direito à retrovenda. Em uma ação indenizatória por danos morais, o direito violado é a honra, esta já existe desde o seu nascimento, mas o prazo de prescrição passa a contar da data em que foi violada.

A terceira diferença é com relação à forma, enquanto o prazo decadencial pode ser estabelecido tanto pela lei, quanto pela vontade das partes, o prazo prescricional apenas pode ser estabelecido por lei, sem possibilidade de arbítrio entre as partes.

A quarta diferença é com relação ao transcurso do prazo. Enquanto a decadência não pode ser interrompida ou suspensa e só pode ser impedida pelo exercício do direito, a prescrição pode ser interrompida caso se configure uma das hipóteses legais. Inclusive, frisa-se que o art. 197 do CC apresenta o rol de pessoas contra as quais não corre o prazo prescricional.

A quinta diferença tange a questão da possibilidade de renúncia. A decadência não admite renúncia, já a prescrição pode ser renunciada, expressa ou tacitamente, pelos interessados, na forma do art. 191 do CC. Todavia cabe frisar que tal renúncia não afeta terceiros, apenas os renunciantes.

Por fim, a última diferença, que é apenas uma curiosidade histórica, antes da Lei n. 11.280/2006, apenas a decadência poderia ser declarada de ofício pelo juízo, já a prescrição deveria ser arguida por uma das partes. Todavia, com a advento da citada lei, ambas podem ser declaradas de ofício pelo juízo.

Utilidade prática da prescrição e decadência

No âmbito processual, a prescrição e a decadência são questões que chamamos de questões preliminares ao mérito, ou seja, é imperativo que o juízo analise tais questões antes de analisar o mérito do processo. Ora, se houve prescrição ou decadência do direito pleiteado pela parte autora, então, qual é a necessidade de analisar o mérito? Não existe, pois ou o direito deixou de existir (decadência), ou já não é possível pleiteá-lo (prescrição).

Desse modo, por meio da declaração da decadência ou da prescrição, em ambos os casos tornam prescindíveis a análise do mérito, o que pode servir como estratégia em processos judiciais nos quais a questão de mérito não lhe é favorável, ou é nebulosa.

Inclusive, o conhecimento acerca da prescrição e da decadência não serve apenas para a defesa. É indispensável ao profissional que litigue no polo ativo da ação que tenha domínio pleno de tais questões para justamente evitar ou combater as alegações de prescrição.

Por exemplo, imagine que um cliente chegue ao seu escritório e narre que comprou um veículo automotor em uma concessionária. Todavia, 6 (seis) anos após a entrega das chaves, o veículo começou a apresentar problemas na bomba injetora devido a má fabricação do componente, o que gerou dano material ao seu cliente.

De início poderíamos pensar que houve prescrição, pois como você bem sabe, o prazo prescricional de pretensão indenizatória contra fornecedor é de 5 (cinco) anos nos termos do art. 27 do Código de Defesa do Consumidor – CDC. 

Todavia, você não só leu o artigo, como acompanha o blog do IDP e sabe que, neste caso, se trata de um vício oculto e, portanto, a prescrição começa a transcorrer somente da data de conhecimento do vício, conforme princípio da actio nata.

Portanto, apenas com o conhecimento da prescrição e de suas peculiaridades, já garantiu ao advogado um cliente em uma causa que, em tese, estaria perdida devido a prescrição.

Onde localizar os prazos prescricionais e decadenciais

Os prazos prescricionais e decadenciais não são uma exclusividade do direito civil. Estes podem ser localizados na maioria das esferas do direito, desde o Direito Penal, passando pelo Tributário até o Direito Consumerista.

No Direito Civil, os prazos prescricionais estão localizados no art. 206 do CC, em tal artigo verás que existe o tempo necessário, em cada parágrafo, para ser declarada prescrita determinadas pretensões, as quais estão nos incisos de cada parágrafo.

Por exemplo, prescreve em um ano a pretensão do segurado contra a seguradora ou vice-versa, conforme art. 206, §1°, inc. II do CC. Já os prazos decadenciais estão espalhados ao longo do código e nas leis esparsas.

Já no Direito do Consumidor, tanto a prescrição e a decadência se encontram na Seção IV do CDC, no artigo 26 estão os prazos decadenciais e no artigo 27 o prazo prescricional.

Por fim, no Código Penal – CP -, por tratar em grande parte de violações aos direitos, há pouco regramento com relação a decadência, a qual é regulada apenas pelo artigo 103 do Código Penal, já a prescrição é regulada pelo artigo 108 e seguintes do CP.

Cabe frisar que a interpretação e aplicação de tais prazos diferem muito e constantemente sofrem influência da jurisprudência. Apenas para citar um exemplo, há recente entendimento do STJ que altera a aplicação do art. 240, §1° do CPC

O citado artigo determina que “A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação.”. Ou seja, para fins de prescrição, após a citação a inércia será afastada na data da propositura da ação e não da citação do réu.

O STJ em seu novo entendimento, entende que caso exista emenda à inicial, a retroação ocorrerá não a propositura da ação, mas da emenda, ou seja, se propormos uma ação próximo a prescrição e houve emenda e esta estiver após a propositura, é possível que seja declarada a prescrição.

Para saber mais acerca das mudanças de entendimento dos Tribunais e para entender a fundo as questões das prescrições e decadências que falamos aqui, você pode conhecer o Curso de Pós-Graduação em Direito Processual Civil do IDP.

Ele possui aulas com interação ao vivo, conectando você com professores que são referências no mercado, e colegas com expertises e conhecimentos diversos espalhados por todo Brasil. 

As disciplinas são atualizadas frequentemente para atender às demandas do mercado e proporcionar maior sucesso, tanto na carreira, como na superação de desafios por parte dos profissionais do Direito Processual Civil.

Acompanhe as publicações do nosso blog e fique atento às novidades de todo o Universo do Direito. Bons estudos!

Referências

Direito Civil: parte geral/ Silvio Salvo Venosa. -17. ed. – São Paulo: Atlas 2017;

Direito Civil: Carlos E. Elias, João Costa – Neto; Rio de Janeiro: Forense 2022.

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