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Entenda as relações trabalhistas em perspectiva Constitucional

Aqui no Blog do IDP, já conversamos sobre a mudança de paradigma que o ordenamento jurídico brasileiro sofreu com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

Em um primeiro momento, identificamos a Constituição como o vértice do ordenamento: não é possível compreender mais os ramos do Direito Privado ou mesmo do Direito Público de forma desconexa da Carta da República.

Depois apresentamos a hermenêutica constitucional como a baliza de avaliação de conflitos ou colisões entre direitos e bens constitucionalmente protegidos pelo ou pela intérprete da norma jurídica.

Trouxemos também o estudo de caso em que o Supremo Tribunal Federal equiparou as uniões estáveis homoafetivas às heteroafetivas no direito brasileiro. Por meio do julgado, o STF ampliou a interpretação do artigo 226, § 3º, da Constituição Federal, com vistas à proteção de direitos fundamentais e respeito à dignidade da pessoa humana.

Nessas três ocasiões, trabalhamos um ponto fundamental: a perspectiva constitucional é a regente do nosso ordenamento jurídico.

Nas relações trabalhistas não é diferente.

Aqui nós vamos desenvolver algumas considerações sobre o Direito do Trabalho, as relações trabalhistas e a hermenêutica constitucional, também conhecidas como Direito Constitucional ao Trabalho.

Quais são os princípios que devemos conhecer? Quais as suas dimensões?

Vamos lá!

Relações de trabalho em destaque constitucional: conheça do Direito Constitucional ao Trabalho

O Direito Constitucional ao Trabalho no ordenamento jurídico brasileiro refere-se ao princípio e aos direitos relacionados ao trabalho previstos na Constituição Federal de 1988.

Ele se insere no contexto mais amplo dos direitos sociais e econômicos, e é uma das bases para a garantia de dignidade, igualdade e bem-estar de cidadãos e cidadãs.

Ali é estabelecida a base legal para que trabalhadores e trabalhadoras tenham acesso ao emprego digno, condições de trabalho justas e a proteção necessária para garantir sua segurança financeira e bem-estar.

Como disse o professor do IDP Ingo Wolfgang Sarlet: 

“O direito ao trabalho não é apenas um entre tantos direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal de 1988, mas, além disso – em sinergia e em pé de igualdade com a dignidade da pessoa humana –, representa valor e princípio fundamental da ordem jurídico-constitucional brasileira”.

O artigo 1º da Carta da República, ao constituir o Brasil como Estado Democrático de Direito, estabeleceu os seguintes fundamentos:

  • a soberania;
  • a cidadania;
  • a dignidade da pessoa humana;
  • os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e
  • o pluralismo político.

No entanto, esses valores não foram inseridos no texto “de graça”. Na verdade, eles são fruto de intensas lutas e discussões durante a Assembleia Nacional Constituinte instalada em 1985.

De acordo com Nicolle Gonçalves, especialista em Direito e Processo do Trabalho pelo IDP, o texto constitucional não possui aplicação prática se esvaziado de povo e de localização histórica – ainda mais considerando a Constituição de 1988, resultado de ampla mobilização popular.

Ela complementa: “O ponto aqui é pensar na Constituição como uma principiologia aplicada, mas que se ressignifica no decorrer do tempo histórico para dar respostas práticas às questões do povo, que é onde ela encontra o seu significado”.

Ao reconstituir alguns aspectos da Assembleia Nacional Constituinte na sua dissertação de mestrado, Gonçalves conclui que o protagonismo, em termos de organização coletiva dos trabalhadores, é do sindicato. 

Naquele clima de autorreflexão da Constituinte, os sindicatos estavam imersos no papel de defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais de trabalhadores e trabalhadoras. 

A sua atuação foi inclusive prevista no artigo 8º, III, da Constituição que se estava escrevendo: “ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativa”.

Os debates travados nas Comissões e Subcomissões resultaram em diversas conquistas trabalhistas previstas na Constituição.

Dentre elas, a Carta da República garante igualdade de oportunidades. Nesse sentido, todos e todas têm direito a oportunidades de emprego sem qualquer forma de discriminação, seja de gênero, raça, religião ou outros fatores.

A Constituição também proíbe qualquer forma de discriminação no ambiente de trabalho, incluindo discriminação salarial, de gênero, de idade, e igualdade de oportunidades.

Trabalhadores e trabalhadoras também contam com proteção constitucional, sendo-lhes garantidos direitos como salário mínimo, jornada de trabalho razoável, férias remuneradas e licença-maternidade.

Também é assegurada a liberdade de associação sindical, ou seja, o direito de trabalhadores e trabalhadoras se associarem a sindicatos para protegerem seus interesses e negociarem melhores condições de trabalho.

Constitucionalmente é reconhecido o direito dos trabalhadores e trabalhadoras de fazer greves como forma de reivindicar melhores condições de trabalho e salários.

O direito constitucional ao trabalho também inclui a garantia de proteção social e previdenciária, como aposentadoria, seguro-desemprego e benefícios em casos de acidentes de trabalho.

Dos direitos sociais: o que dizem os artigos 7º a 11 da Constituição Federal?

Os direitos constitucionais trabalhistas se encontram, em sua maioria, entre os artigos 7º e 11 da Carta da República.

De acordo com sistematização realizada pelo Tribunal Superior do Trabalho – TST, podemos listar os seguintes:

  • Emprego protegido;
  • Seguro-desemprego;
  • Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS;
  • Salário mínimo;
  • Piso salarial;
  • Irredutibilidade do salário;
  • Salário não inferior ao mínimo para remuneração variável;
  • Décimo terceiro salário;
  • Remuneração para trabalho noturno superior ao diurno;
  • Proteção do salário;
  • Participação nos lucros da empresa;
  • Salário-família;
  • Jornada de trabalho de 8 horas diárias;
  • Jornada de 6 horas para trabalho realizada em turno ininterrupto;
  • Repouso semanal remunerado;
  • Remuneração de hora extra;
  • Proibição de discriminação;
  • Proibição de trabalho noturno, perigoso e insalubre a menores de 18 anos, e qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz a partir de 14 anos;
  • Férias anuais remuneradas;
  • Licença à gestante;
  • Licença paternidade;
  • Proteção do mercado de trabalho da mulher;
  • Aviso prévio;
  • Redução dos riscos inerentes ao trabalho;
  • Adicional de remuneração para atividades penosas, insalubres ou perigosas;
  • Aposentadoria;
  • Assistência a filhos e filhas em creches pré-escolares até 5 anos de idade;
  • Reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;
  • Proteção em face da automação;
  • Ação com limite de 2 anos após a extinção do contrato do trabalho (prescrição bienal);
  • Seguro contra acidentes de trabalho;
  • Igualdade de direitos entre trabalhadores e trabalhadoras permanentes e avulsos e avulsas;
  • Proibição de distinção entre profissionais;
  • Proibição de diferença por motivo de sexo, idade ou estado civil;
  • Livre associação profissional ou sindical;
  • Obrigatoriedade de participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho;
  • Direito de greve;
  • Participação de trabalhadores e trabalhadoras, empregadores e empregadoras nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação; e
  • A eleição de representante nas empresas de mais de 22 empregados e empregadas.

Conclusão

As relações trabalhistas, analisadas sob a perspectiva constitucional, representam um dos pilares fundamentais de uma sociedade justa e equitativa.

A Constituição reconhece o trabalho como um valor social e um direito fundamental, consolidando a noção de que ele deve ser exercido em condições que assegurem ao trabalhador e à trabalhadora não apenas a subsistência, mas também a sua realização pessoal e profissional.

Nesse sentido, a dignidade da pessoa humana é central, tanto para trabalhadores e trabalhadoras quanto para empregadores e empregadoras, que devem observar princípios como a não discriminação, a justa remuneração e a segurança no ambiente de trabalho.

A Carta Magna proíbe também a discriminação no ambiente laboral, seja ela de gênero, raça, idade, orientação sexual ou outras características pessoais.

Isso visa criar um ambiente inclusivo e diversificado, onde todos possam contribuir para o progresso e prosperidade da sociedade.

As relações trabalhistas, na perspectiva constitucional, transcendem a simples troca de serviços por remuneração. Elas são uma expressão dos valores e direitos mais profundos da sociedade.

Asseguram o equilíbrio entre o poder do empregador e a proteção do trabalhador, promovendo um ambiente em que ambos possam coexistir harmoniosamente e contribuir para o desenvolvimento econômico e social do país.

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Referências

GONÇALVES, Nicolle Wagner da Silva. A Constituição Federal de 1988 e a organização coletiva dos trabalhadores entregadores mediados por aplicativos em Belo Horizonte/MG: entre o passado e o presente de uma permanente luta por direitos. 2022. 195 f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Escola de Direito, Turismo e Museologia, Universidade Federal de Ouro Preto, Ouro Preto, 2022.

SARLET, Ingo Wolfgang; MELLO FILHO, Luiz Philippe Vieira de; FRAZÃO, Ana de Oliveira (Orgs). Diálogos entre o direito do trabalho e o direito. São Paulo: Saraiva, 2014.

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