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Novas hipóteses de criminalização da violência de gênero

Primeiramente, antes de falar diretamente sobre as novas hipóteses de criminalização da violência de gênero, precisamos destacar um fato importante no Direito Penal e Processual Penal.

A perspectiva de gênero é uma visão necessária à todas as partes envolvidas em casos de representação de vítimas de violência de gênero. A “pergunta pela mulher”, como indica Katherine Bartlett, deve ser feita a cada nova fase da investigação, instrução ou decisório do processo penal.

Sobretudo, é preciso apontar que há muito espaço para avançar nos debates. Especialmente após 2005, surgiram diversas novas hipóteses de criminalização da violência de gênero no Direito Penal e Processual Penal no Brasil.

Como exemplo, a “primeira reforma dos crimes sexuais” ou as mudanças na nomeação do bem jurídico “dignidade sexual”. Além disso, também os tipos penais recentemente criados, como “stalking” e a ameaça fundada em questões de gênero (art. 147-B do Código Penal).

Esses debates são essenciais, para que se reflita sobre os significados destas criminalizações e para a discussão de políticas públicas com perspectiva de gênero. Discussões essas que são importantes para a criação de estratégias de prevenção a novas violências e para hipóteses mais proporcionais de responsabilização aos agressores.

Para se aprofundar em questões de gênero e Direito Penal, a Profª Doutora Carolina Costa, advogada especializada no atendimento a mulheres, organizou um minicurso sobre o assunto no IDP Online.

Neste minicurso ministrado apenas por mulheres, foram expostos pontos importantíssimos sobre a política criminal e a violência de gênero no Brasil. Confira os insights sobre as hipóteses de criminalização de violência de gênero no Brasil!

Política criminal com perspectiva de gênero

Sabemos o quanto a representatividade feminina no campo político e legislativo ganha força, principalmente, quando se alcança a paridade de gênero. Isso nos possibilita o avanço no reconhecimento dos Direitos das Mulheres no Brasil, sobretudo no campo das políticas públicas.

Contudo, no Brasil, a representatividade de mulheres, especialmente negras e indígenas, no Congresso Nacional é baixa, o que reflete diretamente sobre os Direitos das Mulheres. A “Carta das Mulheres Brasileiras”, endereçada à Assembleia Nacional Constituinte, ainda possui pontos não realizados normativamente ou no plano das políticas públicas.

No processo legislativo, além da baixa representatividade de mulheres (brancas, negras e indígenas) no Congresso Nacional, percebe-se que muitas das discussões não observam as demandas de movimentos de mulheres, como organizações de defesa de direitos humanos. Por isso, é preciso incentivar mais a participação social.

Desta forma, Carolina Costa destaca a importância de pensar a política criminal como política pública e seguir uma agenda de planejamento baseada em dados.

No caso da Lei Maria da Penha, por exemplo, já temos 15 anos de sua vigência, o que implica em uma multiplicidade de dados, avaliações e reflexões dos atores do sistema de justiça criminal e da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres.

Em outras palavras, para melhorar as hipóteses de avaliação do processo legislativo e das leis em vigor no Brasil, deve-se incluir no processo as pessoas envolvidas no tema – no caso, mulheres, com um corte interseccional.

Recentes alterações ao Código Penal e à Lei Maria da Penha

Desde sua sanção, em 2006, a lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha) passou 10 anos sem alterações. No entanto, a lei foi alterada 8 vezes nos últimos 4 anos, principalmente no que diz respeito à tipificação do crime e às formas de atendimento à vítima.

Em 2017, a Lei 13.505/17 estabeleceu que mulheres em situação de violência doméstica e familiar devem ser atendidas, preferencialmente, por policiais e peritas do sexo feminino.

No ano seguinte, a Lei 13.772/18 reconheceu a violação da intimidade da mulher como violência doméstica e familiar. O registro não autorizado de cenas de nudez ou de ato sexual também foi criminalizado.

Já em 2019, duas normativas estabeleceram mudanças na referida lei. Uma delas, a Lei 13.827/19, autorizou que, em alguns casos, a autoridade judicial ou policial aplique medidas protetivas de urgência. Outra alteração veio com a Lei 13.926/19, que tornou obrigatória a notificação sobre vítimas com deficiência.

Podemos observar que as recentes alterações refletem a articulação da atual bancada feminina do Congresso Nacional. Com predominância de mulheres brancas, de classe média e alta, as representantes possuem diferentes concepções político-criminais entre si e representam partidos distintos.

Discussões orçamentárias para políticas públicas

Apesar da falta de discussões orçamentárias e do simbolismo das políticas públicas, discursos populistas em torno das pautas de gênero ganham espaço e as ampliações são tratadas como conquistas.

As constantes reduções orçamentárias de políticas voltadas à redução da desigualdade de gênero nos últimos 3 anos geram problemas em que as alterações legislativas, naturalmente, não são as mais adequadas para enfrentamento.

15 anos após a sua publicação, a Lei Maria da Penha enfrenta desafios em torno da realização de sua função propositiva, preventiva e educativa. Enquanto apostarmos mais nas portas da justiça criminal que na das escolas para a educação em direitos humanos e em gênero, as estatísticas de feminicídios e de lesões corporais não vão se reduzir.

Estratégias de advocacy

Definitivamente, o advocacy feminista foi decisivo para a elaboração e aprovação da Lei Maria da Penha. Organizações da sociedade civil, de defesa de direitos humanos, operadores de Direito, servidores da segurança pública e a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM) se uniram para redigir o anteprojeto em 2004 e depois para acompanhar o processo legislativo até a aprovação da lei, em 2006.

Todavia, a atuação com perspectiva de gênero tem se intensificado no Brasil, graças à aproximação da academia com órgãos do sistema de justiça criminal. Esse foi um exemplo interessante de litigância estratégica com promoção de ação civil pública ajuizada pelo Núcleo de Gênero do MPDFT, à época conduzido pela Promotora de Justiça, Drª Mariana Távora, em 2020.

A ação levantou as políticas públicas de atribuição do Poder Executivo no Distrito Federal. Dessa forma, identificou-se que a ausência de planejamento destas políticas levou à redução do alcance da rede de proteção a mulheres vítimas de violência de gênero e, consequentemente, ao aumento dos feminicídios no DF. A atuação envolveu uma liminar voltada à organização das políticas para mulheres no Distrito Federal.

Advocacy para incentivar planejamento orçamentário e análise de dados

Neste caso, ficou clara a importância do planejamento orçamentário. Isso porque não existiam planos, metas e dados de ocorrências de violência de gênero ou feminicídio suficientes para estruturar e planejar políticas públicas de redução da desigualdade de gênero no DF.

A ação demonstra que a judicialização, quando baseada em evidências e no acompanhamento cirúrgico das políticas orçamentárias, leva a uma fiscalização mais efetiva das políticas públicas.

Cada região tem suas demandas de acordo com recorte de classe e raça. Por isso, é necessário definir ações com base nas evidências de cada local. Dessa forma, o ideal é cobrarmos orçamento suficiente para promover políticas públicas de promoção à igualdade de gênero.

É justamente através do advocacy que, ao expor problemas e necessidades existentes e mostrar, com dados e relatos, destaca-se a importância desses temas. Só assim é possível influir nos planejamentos orçamentários para a implementação das políticas públicas necessárias.

O advocacy amplia a participação e representatividade de grupos excluídos ou sub representados nos processos políticos decisórios. Seu objetivo é assegurar que direitos individuais e coletivos sejam garantidos. Assim, fortalece-se a democratização da própria sociedade.

Propostas legislativas em torno do feminicídio e violência de gênero

O Projeto de Lei nº 4.196/2020, atualmente em discussão no Senado, pretende tornar o crime de feminicídio tipo penal autônomo.

O crime de feminicídio representa atentado à própria condição da mulher ou seja, afeta, de forma geral, todas as mulheres da sociedade. Os índices de feminicídio em todo o Brasil demonstram a necessidade de políticas públicas diretamente voltadas à prevenção deste tipo de crime.

Em resposta, o Congresso Nacional entendeu que caberia o retorno da discussão sobre a criminalização do feminicídio sob a forma de um tipo penal autônomo, imprimindo efeito simbólico que repercute na maior reprovabilidade social do crime.

A proposta não avança em relação à redução de mortes das mulheres. Trabalhos acadêmicos realizados por Ana Paula Portella e Carmen Hein de Campos, por exemplo, demonstram que a nomeação do feminicídio já se realizou no sistema de justiça criminal, após a inclusão da qualificadora ao crime de homicídio em 2015.

Os desafios, neste campo, dão conta da investigação, do processamento e do julgamento de mortes violentas de mulheres com perspectiva de gênero, sem revitimização e com destaque às atuações de assistentes de acusação, que devem atuar, também, com perspectiva de gênero.

Outras hipóteses de criminalização da violência de gênero

Outras hipóteses de criminalização em relação a bens jurídicos ligados às questões de gênero foram incluídas em nossa legislação. Como é o caso da importunação sexual, por meio da Lei nº 13.718/2018, trazendo como crimes sexuais atos que violem a dignidade sexual das mulheres.

Sobre crimes sexuais, podemos destacar a Lei nº 10.224/2001 – assédio sexual, Lei nº 11.106/2005 – crimes contra o casamento, Lei nº 12.015/2009 – crimes contra a dignidade sexual e Lei nº 13.718/2018 – importunação sexual, pornografia da vingança, estupros corretivo/coletivo e alterações à ação penal.

O Brasil enfrenta muitos desafios na política legislativa com perspectiva de gênero. Por isso, é importante refletir se o Estado é inclusivo ou opressor em relação às mulheres, desde a representatividade no Congresso Nacional até a sanção da lei. A defesa do Estado Democrático de Direito inclui, desde os debates legislativos, a promoção da igualdade de gênero, observando-se a perspectiva interseccional.

Conclusão

Em suma, precisamos pensar na política criminal com perspectiva de gênero baseada na representatividade e na “pergunta pela mulher”. Essa perspectiva precisa vir em todas as fases do processo legislativo e atuação no sistema de justiça criminal.

Assim sendo, são questões que merecem atenção da sociedade em geral, a fim de evitar a revitimização das mulheres neste contexto.

Se quiser se aprofundar em questões sobre violência de gênero e se especializar na área, conheça nossa pós-graduação em Direito Penal e Processual Penal.

A professora Carolina Costa ministrou a aula sobre Novas hipóteses de criminalização da violência de gênero no minicurso ‘Questões de Gênero e Direito Penal’. Como resultado, publicamos este artigo, com seu apoio e autorização. Não deixe de se inscrever neste minicurso!

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