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Vícios construtivos e a proteção da legislação brasileira aos condomínios residenciais

É corriqueiro que síndicos e membros de comissão de recebimento de imóveis se deparem com vícios construtivos ou inconformidades em projetos, aparentes ou não, que suscitem dúvidas quanto à higidez da edificação.

A obra deve ser recebida mesmo deparando-se com um vício de construção? Ou, ainda, por qual prazo é possível reclamar à construtora o reparo de um vício que se evidenciou após o recebimento da obra?

Comumente se atribui ao artigo 618 do Código Civil a resposta de que a responsabilidade do construtor é pelos 5 anos após a entrega da obra. Tal prazo, que é de garantia, é suficiente para a salvaguarda de um sistema duradouro como a fachada de um edifício?

Essas são as questões que buscamos esclarecer ao leitor, o que se faz com a distinção entre vícios ocultos e aparentes para, ao final, indicar os prazos decadenciais e prescricionais e quais direitos podem ser exercidos em face de tais situações.

Qual é a obrigação da construtora em relação ao condomínio e a sua edificação?

A obrigação de garantia pela solidez e segurança é tratada no artigo 618 do Código Civil, e, por mais que o referido dispositivo denote, em uma primeira leitura, circunstâncias estruturais graves, o STJ tem entendimento firme no sentido de que tais termos devem ser interpretados de forma ampla, de modo a garantir a finalidade pela a qual o imóvel se presta, com a viabilidade de condições adequadas de moradia.

A Exemplo, os seguintes precedentes:

(…) – A solidez e a segurança a que se refere o art. 1.245 do Código Civil não retratam simplesmente o perigo de desmoronamento do prédio, respondendo, também, a construtora, por defeitos que possam comprometer, futuramente, o empreendimento, tais como rachaduras e infiltrações. Precedentes. (…)

AgRg no REsp 399.701/PR, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/04/2005, DJ 09/05/2005, p. 389

(…) A expressão “solidez e segurança” utilizada no artigo 1.245 do Código Civil não deve ser interpretada restritivamente; os defeitos que impedem a boa habitabilidade do prédio, tais como infiltrações de água e vazamentos, também estão por ela abrangidos. (…)”

REsp 46.568/SP, Rel. Ministro ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/1999, DJ 01/07/1999, p. 171

O que se quer dizer é que a construtora tem a obrigação de entregar um edifício habitável em sua plenitude, e isso não se tem quando se constatam infiltrações em todo o edifício, ou, de modo ainda mais grave, quando existe comprometimento da infraestrutura pelas infiltrações e fissuras que afetam os subsolos, bem como no que concerne à porosidade que gera risco de queda e de inviabilização da própria estrutura do condomínio.

Problemas estruturais em condomínios edilícios podem resultar em consequências graves, conforme notoriamente noticiado no Distrito Federal, quando, na SQN 210, a garagem de uma edificação desabou, por problemas estruturais semelhantes aos que ora se apresentam. (https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/escombros-de-garagem-que-desabou-na-asa-norte-comecam-a-ser-retirados-nesta-terca.ghtml) .

Para que se considere como condizente aos preceitos legais de moradia adequada, a construtora tem o dever de cumprir com as normas técnicas de construção, conclusão que deflui de uma interpretação do artigo 32, alínea “g”, da Lei de Incorporações (Lei 4.591/64), em combinação com o artigo 53 da Lei 4.150/92, a resultar no entendimento de que as normas técnicas são de observância cogente tanto no projeto a ser aprovado, como na sua execução.

Quais os tipos de defeitos e prazos para a reclamação?

Os vícios podem ser aparentes ou ocultos. Vício aparente é aquele de fácil constatação para qualquer homem médio, ou seja, a média das pessoas, desprovidas de conhecimento especializado em engenharia, a olho nu, tem condições de perceber que ali se trata de um vício.

O vício oculto é aquele que não se percebe à vista, comumente é evidenciado pelo curso do tempo, como infiltrações por exemplo, ou demandam alguma investigação especializada.

Em se tratando de vício aparente, apresentado ao que recebe a obra logo na entrega, deve o recebedor recusar o recebimento ou demandar o abatimento do preço.

Havendo recusa, já se deflui o prazo decadencial para a ação redibitória, que, nos termos do parágrafo primeiro, artigo 18 combinado com o artigo 26, todos do Código de Defesa do Consumidor, é de 90 dias.

Para a ação indenizatória decorrente dos vícios aparentes, inicia-se, também do recebimento do imóvel, o prazo prescricional e, nesse particular, há divergência na jurisprudência se a prescrição é trienal ou decenal, prevalecendo esta última.

Falando em efeitos práticos, a ação redibitória (abatimento do preço ou desfazimento do contrato) sujeita-se ao prazo decadencial, ao passo de que a ação que visa a reparação de danos relaciona-se com o prazo prescricional.

No que diz respeito aos vícios construtivos ocultos, aqueles que não foram constatados com a entrega do objeto, mas que surgiram com o decorrer do tempo ou a partir de uma investigação especializada, a legislação traz aspectos que denotam inquietude na doutrina.

Por mais que o Código Civil traga a obrigação de garantia e solidez estrutural por um prazo de 5 anos, a legislação específica a respeito dos vícios ocultos, tanto no Código Civil, como no Código de Defesa do Consumidor, não apresentam limite para a desobrigação da construtora em relação a tais vícios.

O que há é o prazo prescricional e decadencial ligado ao conhecimento do vício e o direito de ação (prescrição) ou do exercício do direito (decadência). Em outras palavras, ciente o recebedor do imóvel do vício oculto, inicia-se o prazo decadência para o abatimento ou desfazimento do negócio, que é de 1 ano.

O prazo prescricional, relacionado à pretensão condenatória em reparar o problema, neste caso é de 10 anos, a contar da ciência do vício.

Feitas essas considerações, é correta a afirmativa de que a responsabilidade pelo vício construtivo oculto é, então, infinita? É uma questão tormentosa porque a legislação não indica prazo limite e, de outro lado, é incompatível com a nossa base principiológica jurídica que se admita uma responsabilidade interminável.

O que tem se tornado consenso é de que a garantia persiste em acordo com o conceito técnico de engenharia de durabilidade do bem em questão.

Com efeito, a pintura de uma fachada, por exemplo, deve ter como razoável o seu desempenho por um período de alguns anos, ao passo de que a estrutura de um edifício deve substancialmente se achar hígida por um tempo muito superior ao sistema da fachada.

Assim, durante tal período, constatado um vício oculto que decorra de razões endógenas, isto é, do processo construtivo ou de projeto, bem como que houve a manutenção adequada por parte do condomínio, persiste a responsabilidade da construtora, o que deve ser exercido em acordo com os prazos prescricionais ou decadenciais apresentados, a depender do anseio do recebedor da obra.

Quais os efeitos do termo de recebimento da área comum que atesta a concordância com o que foi entregue?

A Lei de Incorporações prevê que a entrega do empreendimento será feita à comissão de representantes dos condôminos e, notadamente, nesta fase, é comum que incorporadoras e construtoras lancem termos com anotações no sentido de eximir a sua responsabilidade por decorrência de potenciais vícios que venham a ser constatados.

A respeito da estrutura e higidez da edificação, qualquer disposição que contenha norma exonerando a construtora desta responsabilidade, é nula de pleno direito porquanto o artigo 618 do Código Civil é uma norma de ordem pública, da qual não podem nem mesmo os adquirentes dispor.

Em se tratando de vícios ocultos, o mesmo entendimento deve ser aplicado, porque trata-se de uma cláusula evidentemente leonina na medida em que, abstratamente, promove renúncia de direitos que nem mesmo se conhecem.

No entanto, quando os vícios construtivos são aparentes, recomenda-se muita cautela quanto a assinatura de termos de renúncia de direitos por parte da comissão que recebe a área comum pois, nesses casos, é possível dispor, transigir e aceitar o bem no estado em que se acha, de modo que, anuindo com o recebimento nesses termos e sem ressalvas, perde-se o direito à ação redibitória ou reparatória.

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