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O ensino jurídico e a horizontalização do saber

No ensino jurídico superior, lecionado atualmente para os acadêmicos de Direito em sua forma tradicional e vertical, é percebida cada vez mais a necessidade de inovação no processo pedagógico.

Este processo, somente será ultrapassado com a prática libertadora autêntica, que é a humanização, onde aluno e professor, educando e educador, discípulo e mestre trocam experiências para uma pedagogia ativa e protagonista, compreendendo desta maneira que a prática do ensinar é comunhão dos conhecimentos.

Nesse sentido, a visão tradicionalista e arcaica mantém, nas palavras de Freire (2019), uma concepção opressora e hierárquica criando um distanciamento da relação entre professor e aluno.

Tal distanciamento aponta para um não-aprender em sua forma plena, onde o aluno se fecha para os novos conhecimentos possíveis, afastando-se do conhecimento dialogado e compartilhado entre educador e educando.

Paulo Freire bem aponta sobre “o conhecimento que não aprisiona, mas que liberta”. Ou seja, o estudante que se torna protagonista do processo de aprendizagem, sendo capaz de aprender e ensinar juntamente com o professor, surgindo assim, uma nova relação libertadora e inovadora de ensino.

Ademais, com o advento das novas tecnologias as Ciências Sociais e Jurídicas têm se mostrado abertas à novas práticas pedagógicas, mas sua respectiva absorção e aplicabilidade no meio do magistério tem sido lenta e gradual.

Em seguida, o artigo visa demostrar a relevância de práticas inovadoras para um olhar mais humanístico e uma educação protagonizada pelo estudante de Direito, englobando, desta forma, uma análise crítica ao ensino superior jurídico tradicional.

Educação como Direito Fundamental

As garantias fundamentais cumprem papel crucial pela defesa dos cidadãos, sendo Dever Jurídico do Estado. Neste sentido, Canotilho (2003) aponta que os direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos.

Assim, tamanha a importancia da educação que é concebida como direito fundamental de natureza social por nossa Carta Maior em seus artigos cominados 6 c/c 205, que se segue:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (BRASIL, 2017). Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

(BRASIL, 2017).

Função de prestação social, os direitos a prestações significam, em sentido estrito, direito do particular a obter algo através do Estado – saúde, educação, segurança social. (CANOTILHO, p. 393, 407 e 408. 2003).

Deste modo, para maior compreensão do tema, que ora é apresentado, vamos ao encontro do significado das palavras, estudante e aluno:

Estudante. S.2 g. Pessoa que estuda; discípulo; aluno; escolar (AURÉLIO, p. 592. 1975)

Aluno. [Do lat. Alumnu, primitivamente “criança que se dava para criar”.] S. m. 1. Pessoa que recebe instrumentação e/ou educação de algum mestre, ou mestres, em estabelecimento de ensino ou particularmente; estudante, educando, discípulo, escolar. 2. Aquele que tem poucos conhecimentos em certa matéria, ciência ou arte. Aprendiz.

3. Ant. Indivíduo natural de certa terra, país ou lugar; natural, filho […] (AURÉLIO, p. 77. 1975).

Percebe-se que enquanto houver alunos, há de haver opressão, pois este é meramente passivo no processo de aprender e os “portadores do conhecimento” se fazem como superiores.

Afinal, remete-se a etimologia do termo “aluno” aos iluministas, onde a palavra “aluno”, origem no latim, significa ausência de luz, sendo o pré-fixo ‘a’ correspondente a “ausência ou sem” e ‘luno’, a palavra significante de luz. Portanto, aluno: sem luz, sem conhecimento.

Ensino jurídico e a dominação no aprender

Atualmente, quando se aborda a dominação na didática, entre professor e estudante, no Direito, percebe-se mais uma agravante, o Direito ainda está vinculado à uma fortíssima noção de poder, percebida nas relações hierárquicas do Poder Judiciário e suas referentes instâncias.

Tal dominação está presente em Foucault (1976), qual afirma não se tratar de mero poder, esta dominação se faz tão forte que o indivíduo perde sua essência e se torna mero sujeito da força opressora. Para o filósofo francês, o poder deve ser compreendido como “um múltiplo de relações de forças que são imanentes ao domínio onde se exercem e são constitutivas da organização delas.” (FOUCAULT, 1976, p. 121-2).

Ainda hoje, quando se fala no processo de educação, pautando-se no patrono da Educação, Paulo Freire, percebe-se que o processo de reprodução e violência simbólica e de dominação no ensino jurídico perpetua-se presente nesta interação.

Certo de que a violência é simbólica e, no ensino jurídico, é exercida pelos professores, estando estritamente ligada ao modo de lecionar (mais tradicional), reproduzem, conceitos aprendidos, visando o cumprimento de cronogramas estipulados ou ditádos pelo Ministério da Educação (MEC).

Observa-se que o próprio professor, nas palavras Freire (2019), que utiliza a denominação “opressor” é também parte que sofre com a opressão, uma vez que foi ensinado por outro da mesma forma.

Desse modo, ao sofrer com o ciclo o “opressor”, se torna, desta maneira, produto da mesma opressão, segue adiante oprimindo e perpetuando, tratando o educando como “banco” da educação:

O educador aparece como seu indiscutível agente, como seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectada da totalidade em que se engendram e cuja visão ganhariam significação. A palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante. Daí que seja mais som que significação e, assim, melhor não dizê-la.

(FREIRE, p. 80. 2019)

Constantemente, o professor, enquanto figura autoritária, não percebe que seus atos impõem o conhecimento e rompem com a atuação espontânea e livre do discente para com o seu pensar e na expressão de suas ideias.

Antes de tudo, o educador é aquele que estimula o diálogo, a troca de experiências e vivências que o estudante-educando tem em si. Deste modo, ele pode e deve somar com sua pluralidade em sala de aula como um todo, ao contrário são objetos da educação, meros coadjuvantes e oprimidos.

Enquanto o educando deve ser sujeito ativo, “ser no mundo e com mundo” (FREIRE, p. 98. 2019) e plenamente capaz no somatório do educar, atuando juntamente com o educador.

A humanização do ensino contemporâneo

Este processo somente será ultrapassado com a humanização do ensino, onde aluno e professor, educando e educador, discípulo e mestre trocam experiências para uma pedagogia ativa e protagonista, compreendendo a comunhão dos conhecimentos.

Nesta prática libertadora, Paulo Freire (2019) expõe: “não mais educador do educando, não mais educando do educador, mas educador-educando com educando-educador”.

E com o acontecimento histórico, e trágico, dapandemia de COVID-19, recaiu sobre a educação a implementação e concretização do ensino virtual, processo este que estava sendo lento e gradual, a pandemia “obrigou” a efetivação do ensino remoto e do sistema de EAD.

Definitivamente, tal fato não foi diferente para o ensino jurídico, que precisou romper com a tradicionalidade secular e se adaptar ao novo.

Atualmente, neste período remoto, os professores voltaram a aprender novas formas pedagógicas para o ensinar. Por exemplo, as aulas virtuais, onde há um vasto campo para a aprendizagem, tais como aulas assíncronas, aplicativos interativos e plataformas virtuais como Moddle ou o Google Classroom.

O ensino remoto e o ensino a distância não podem ser considerados como um inimigo, em outras palavras, responsável pela destruição do processo do ensino-aprendizagem presencial. Estes são co-participantes em medotologias para novas formas de aprender e de ensinar, que jamais se subtraem, mas sim, se somam.

Frequentemente, as novas técnicas são ferramentas importantes para aprimorar o encontro aluno-professor. Afinal, são inúmeros os avanços tecnológicos, aplicativos de rápido e fácil acesso e informações em um só “click”.

Diante desta, pergunta-se: o que poderia ser ensinado aos estudantes que tem esta possibilidade de um conhecimento no ciberespaço? E mais, num mundo cada vez mais tecnológico o que deveria ser ensinado?

Harari (2018) tem a resposta para tal indagação. O historiador israelense propõe que o ensino pedagógico deve ser o que denomina “os quatro Cs” – pensamento crítico, comunicação, colaboração e criatividade.

Num mundo assim, com o conhecimento na palma da mão, a última coisa que um professor precisa dar a seus alunos é informação, certos que esta já o tem.

Desta forma, a função do professor se torna a de extrair um sentido da informação, perceber a diferença entre o que é importante e o que não é, combinando os muitos fragmentos de informação num amplo quadro do mundo. (HARARI, p. 322. 2018).

Com a efetivação de tal libertação neste contexto, a educação afasta-se do dogmatismo tradicional reprodutor e através do diálogo em que o aluno ocupa posição central, quando torna-se ativo no processo de aprendizagem, tanto quanto o professor, e principalmente aprende na companhia deste.

stá em Paulo Freire (2019): “o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa”.

Em suma, é importante saber que jamais aprendemos isoladamente, aprendemos no plural, no coletivo e em grupo. A aprendizagem sempre acontece no plural, e assim como a liberdade na expressão de Freire (2019) a educação é uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca.

Conclusão

Desta feita, o artigo se prestou a demonstrar a necessidade de se atualizar o ensino. As novas tecnologias chegaram e com elas se faz de máxima necessidade que os mestres, e os estudantes, se atualizem, tanto para a tecnologia, quanto para a metodologia.

Então, certos de que ainda que tal atualização seja gradual, o advento da COVID-19 ensejou diversos educadores a se tornarem educadores-educandos, tal mudança é crucial para se perceber a nova didática nas salas de aula, sobretudo nas salas de aulas do Direito.

Por fim, é evidente que o acesso à educação a todos para o desenvolvimento pleno da pessoa é Dever do Estado e deve ser efetivo. Contudo, é de fácil verificação a falha, uma vez que, o acesso à educação é visto como privilégio. Sendo que as novas metodologias de ensino possam ser uma saída para garantir a efetividade do saber.

Referências bibliográficas

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 54. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

BUARQUE, Aurélio. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. 1. Ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1970.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 7ª edição. Coimbra – Portugal: Livraria Almedina, 2003.

FOUCAULT, Michel. Histoire de la sexualité I: la volonté de savoir. Paris: Gallimard, 1976.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Ed. 71 – Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019.

HARARI, Yuval Noah. 21 lições para o século 21. Trad. Paulo Geiger. Ed 1 – São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

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Autor: Eduardo Alvim Passarella Freire

Bacharel em Direito – Faculdades Integradas Vianna Júnior (FIVJ); Pós-graduando em Direito Constitucional no IDP.

Este artigo foi publicado por meio do Projeto Editorial de Alunos do IDP.

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