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Recurso extraordinário na prática: da preparação ao julgamento do RE

Se você é profissional do Direito, já sabe, é indispensável conhecer como funciona o recurso extraordinário. Neste artigo vamos entender os prazos, as hipóteses de cabimento e como um advogado pode se preparar para manejar um recurso extraordinário. Preparados?

Em primeiro lugar, este é o nosso segundo texto sobre o sistema recursal no CPC. No primeiro, comentamos qual o conceito de recurso e seus cinco elementos. Se você desejar aprender mais sobre o conceito, pode ler o artigo aqui:

Recursos: aprenda o conceito e espécies recursais do CPC/15

Para facilitar nosso estudo sobre Recurso Extraordinário (RE), pensei em formular pequenas questões para que pudéssemos conhecer os pontos importantes sobre essa espécie recursal.

Antes de tudo, vale ressaltar que tanto o recurso extraordinário quanto o recurso especial possuem regimes jurídicos similares, sendo tratados no mesmo dispositivo do CPC (art. 1.029). Dessa forma, muitas regras do RE serão aplicáveis ao Recurso Especial (REsp).

O que é o Recurso Extraordinário no CPC/15?

Como dito, no CPC, o Recurso Extraordinário e o Recurso Especial são tratados no mesmo dispositivo legal, qual seja, o artigo 1.029 da legislação processual.

Na redação do artigo não é possível identificar, de plano, as hipóteses de cabimento do RE. Isso porque, se observarmos como foi escrito o artigo, concluímos que ambos os recursos têm previsão constitucional, e por consequência, é a Constituição que deve ditar quais as hipóteses de cabimento.

Observe na redação do art. 1.029: “O recurso extraordinário e o recurso especial, nos casos previstos na Constituição Federal, serão interpostos (…)”.

Hipóteses de cabimento do Recurso Extraordinário

É no artigo 102 da Constituição da República que encontramos as hipóteses de cabimento do Recurso Extraordinário.

Na redação, já podemos observar que a competência para o julgamento do Recurso Extraordinário é do Supremo Tribunal Federal.

Quanto às hipóteses de cabimento, dispõe a Constituição Federal que é possível a interposição de Recurso Extraordinário, se a decisão recorrida:

contrariar dispositivo desta Constituição;

declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

julgar válida lei ou ato do governo local contestado em face desta Constituição.

Interposição do Recurso Extraordinário

O recurso extraordinário será interposto por meio de uma petição escrita, acompanhada da comprovação do preparo, ou seja, recolhimento de custas recursais (artigo 1.007).

A interposição do RE deverá ser realizada perante o Presidente ou Vice-Presidente do tribunal recorrido, no prazo de 15 dias contados a partir do primeiro dia útil que se seguir à intimação das partes, das conclusões do acórdão recorrido ou da sentença (artigos 1.003, § 5º e 224, caput e § 3º).

Fatos e Direito no Recurso Extraordinário

Muitos advogados têm dúvidas quanto à estrutura do Recurso Extraordinário.

Em um primeiro momento, deve-se dizer: não se trata de uma “apelação chic”. Para que o advogado tenha êxito em um Recurso Extraordinário, ele deverá se atentar ao modo de escrita desse recurso, que é muito diferente dos demais.

A principal diferença é que o Recurso Extraordinário discute o direito, e não a situação fática. Observe esse exemplo simples:

Tício e Mévio ocasionaram um acidente.

Mévio andava distraído fora da faixa de pedestre, e Tício colidiu seu carro nele.

Mévio faleceu.

Agora, a esposa de Mévio, Athena, busca uma pensão vitalícia em face de Tício, por ter “tirado a vida” de seu marido.

Imagine que este pedido foi indeferido em primeiro grau (por um Juiz singular) e em segundo grau (por um colegiado de desembargadores) e o que gerou o indeferimento foi o desrespeito, pelos magistrados, de norma constitucional.

Agora, Athena precisa interpor um Recurso Extraordinário ao Supremo Tribunal Federal. O que ela pode alegar? Questões de Direito.

Em sede de Recurso Extraordinário não é possível discutir situações fáticas e probatórias, a exemplo: se Mévio estava ou não na faixa de pedestres ou se Tício tinha a intenção de matar o Mévio.

Os fatos não são objeto de Recurso Extraordinário e, se forem questionados, podem ser considerados inadmissíveis.

Possibilidade de concessão do efeito suspensivo no Recurso Extraordinário

Outro tema de muita relevância para a prática forense é que, regra geral, o Recurso Extraordinário não possui efeito suspensivo (ou seja, não há suspensão dos efeitos da decisão da segunda instância).

A consequência prática da ausência de efeito suspensivo é justamente a possibilidade de execução provisória do acórdão recorrido, via cumprimento provisório de sentença.

Todavia, o recorrente poderá pleitear, em requerimento próprio, a concessão de efeito suspensivo a recurso extraordinário, desde que estejam preenchidos os requisitos legais (parágrafo único, artigo 995, CPC).

A estrutura do Recurso Extraordinário

Quanto à estrutura redacional do Recurso Extraordinário, o próprio Código de Processo Civil (nos incisos do artigo 1.029) aponta qual deve ser a lógica seguida:

A exposição do fato e do direito;

A demonstração do cabimento do recurso interposto;

As razões do pedido de reforma ou de invalidação da decisão recorrida.

Ademais, além da peça de interposição do recurso, deverão ser acostados aos autos os documentos necessários ao julgamento do RE.

Inclusive, o Supremo Tribunal Federal poderá desconsiderar algum vício formal do recurso, desde que não o repute grave. Contudo, para isto, o recurso deverá ser tempestivo (ou seja, interposto dentro do prazo determinado em lei).

A demonstração da Repercussão Geral no Supremo Tribunal Federal

A repercussão geral da questão constitucional submetida ao reexame do Supremo Tribunal Federal por meio do Recurso Extraordinário é pressuposto de admissibilidade deste recurso (CF 102 § 3.º).

Para os processualistas, a repercussão geral é conceito indeterminado.

Há correntes doutrinárias que defendem, por exemplo, que a repercussão geral pode ser jurídica, econômica, social, política, desde que ultrapasse os interesses subjetivos da causa (ou seja, os efeitos da decisão devem ir além do autor e réu no processo).

Podemos tratar como questões com repercussão geral aquelas atinentes aos direitos humanos; a dignidade da pessoa humana; a cidadania, a nacionalidade, os direitos políticos; a soberania nacional; as questões econômicas, dentre outras.

Como um advogado pode se preparar para interpor um recurso extraordinário?

Por se tratar de um recurso excepcional e sendo este dirigido ao Supremo Tribunal Federal, o processo de preparação de um recurso extraordinário é minucioso.

Para ajudar você em seus estudos, conversei com o professor do IDP, Guilherme Pupe. Ele é doutor e mestre em Direito, advogado e autor do livro “O Direito em suas entranhas – A discricionariedade judicial no Brasil, entre a estratégia e o arbítrio”.

Para o professor Guilherme Pupe, o Recurso Extraordinário deve ser pensado e construído “de trás para frente”.

1 Importância do prequestionamento

Dessa forma, o advogado deverá pensar em fundamentos constitucionais para eventual interposição de RE desde a sua inicial ou contestação, de modo a prequestionar tais dispositivos constitucionais na primeira oportunidade de fala no processo.

Esse prequestionamento dos dispositivos constitucionais evita uma possível inadmissibilidade recursal por “ausência de presquestionamento”, erro muito comum na prática forense.

2 Ofensas diretas

Outra dica importante do professor Guilherme Pupe: o advogado somente pode atacar uma decisão judicial por meio de RE, se esta contiver uma ofensa direta a dispositivo constitucional.

Isso porque, o Supremo Tribunal Federal não admite a interposição de RE para atacar ofensas reflexas à Constituição Federal.

Sendo assim, antes de interpor um Recurso Extraordinário, o advogado deverá realizar uma ampla pesquisa jurisprudencial para analisar se aquele dispositivo constitucional violado é visto como ofensa direta ou indireta à Constituição.

3 Pesquisa sobre Repercussão Geral

Outra pesquisa importante a ser realizada pelo advogado, segundo o professor Guilherme Pupe, é justamente se aquele tema que pretende ser discutido em Recurso Extraordinário foi objeto de tese em Repercussão Geral.

Havendo o tese em repercussão geral, deve-se analisar duas hipóteses:

Se a tese já estiver decidida, e não for favorável ao seu caso, não cabe o RE.

Se a tese estiver pendente de julgamento, você poderá interpor um RE, e aguardar o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal. Dessa forma, ainda que o Recurso Extraordinário fique sobrestado até o julgamento da tese, quando o STF for decidir, tal resposta poderá impactar o seu caso.

4 Estrutura abstrata

Como falamos anteriormente, o Recurso Extraordinário não analisa fatos ou questões probatórias, trata-se de um recurso excepcional que tem a finalidade de julgar as questões de direito.

Dessa maneira, o professor Guilherme Pupe aponta que a estruturação do RE pelo advogado deverá ser o mais abstrata possível, a fim de evitar inadmissibilidade por questões fáticas/probatórias.

A discussão em torno da questão constitucional deverá ser abstrata, de modo que o Supremo Tribunal Federal possa identificar apenas o acórdão recorrido e o seu RE, evitando o exame de fato e prova.

5 Demonstrar a existência de Repercussão Geral

Por fim, o advogado deverá demonstrar em seu Recurso Extraordinário a existência de repercussão geral, demonstrando ao Supremo Tribunal Federal que o seu caso transcende o mero interesse individual.

Colocando em prática essas dicas valiosas, você como advogado poderá obter excelentes resultados com o seu Recurso Extraordinário.

Ainda, por oportuno, gostaria de lhe informar que há diversos artigos aqui no blog do IDP Online sobre Direito Processual Civil, caso você deseje se aprofundar em outros temas.

Vale dizer também que para se aprofundar no Direito Processual Civil, você poderá cursar uma especialização específica, com profissionais destacados no mercado, e assim, compreender melhor a sistemática recursal, as regras processuais e as estratégias usadas para a efetivação do processo.

Por hoje é isso, a gente se vê no próximo artigo!

Referências

ALVIM, Arruda. Contencioso cível no CPC/2015. Arruda Alvim. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2022.

BRASIL. Lei nº. 13.105/15, de 16 de março de 2015, que instituiu o Código de Processo Civil. In: Palácio do Planalto.

NERY JÚNIOR, Nelson. Código de processo civil comentado. Nelson Nery Junior, Rosa Maria de Andrade Nery. 6. ed. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2021.

MEDINA, José Miguel Garcia. Código de processo civil comentado. José Miguel Garcia Medina. 6. ed. São Paulo. Thomson Reuters Brasil, 2022.

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