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Acordo de colaboração premiada: como funciona esse acordo penal

A Lei 12.850/13, relacionada ao acordo de colaboração premiada, foi criada no intuito de se possibilitar práticas e instrumentos eficazes na obtenção de provas, visando o combate ao crime organizado.

Embora já existente a referida lei, a colaboração premiada só ganhou notoriedade em um acontecimento recente da história do Brasil, notadamente conhecido como Operação Lava Jato.

A ação gerou inúmeros debates no meio acadêmico e jurídico, sendo constantemente citada pela imprensa nacional e população em geral, a partir de diversas investigações criminais envolvendo políticos do alto escalão.

A delação premiada, que não se confunde com a colaboração premiada, trata-se de uma de suas espécies, que ganhou visível popularidade em investigações de quadrilhas e crimes organizados, amplamente divulgados pela mídia, não obstante as problemáticas e críticas que a permeiam.

Mas o que é um acordo de colaboração premiada?

A colaboração premiada trata-se de um negócio jurídico que busca a efetividade na persecução penal, inclusive, de ato personalíssimo. Consiste, basicamente, em meio à obtenção de provas na investigação criminal.

A obtenção de prova por este meio também é tratada como técnica especial de investigação. Nela, utiliza-se o Estado de benefícios premiais (e legais) ao infrator penal, desde que este se disponha a cooperar com o processo e investigação, visando a identificação de coautores e partícipes de crimes, na identificação de vítimas e até mesmo na recuperação de ativos.

Restou positivada no Art. 3º, I, e Art. 3º – A e seguintes da Lei nº 12.850/13, popularmente conhecida como “Lei das Organizações Criminosas”:

“Art. 3º Em qualquer fase da persecução penal, serão permitidos, sem prejuízo de outros já previstos em lei, os seguintes meios de obtenção da prova: I – colaboração premiada.”

“Art. 3º-A. O acordo de colaboração premiada é negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)”

Para Suxberger, o conceito de colaboração premiada assim pode ser definido:

“Colaboração premiada é um acordo realizado entre o acusador e defesa, visando ao esvaziamento da resistência do réu e à sua conformidade com a acusação, com o objetivo de facilitar a persecução penal em troca de benefícios ao colaborador, reduzindo as consequências sancionatórias à sua conduta delitiva”.

Assim, trata-se um importante e relevante mecanismo processual entre Ministério Público/polícia e investigado, onde, satisfeitos os requisitos e pressupostos legais, haverá algum benefício premial, que pode se estender desde à redução de uma pena ao não oferecimento da denúncia, em troca de informações úteis ao desmantelamento de organizações criminosas.

Histórico

Existente ainda, visível evolução do acordo da colaboração premiada no decorrer dos anos: inicialmente, havia restrição do acordo à redução de pena. Atualmente, é possível até mesmo o perdão judicial que, como se sabe, é causa de extinção de punibilidade.

Ainda que todo o protagonismo existente acerca da colaboração premiada tenha emergido de um passado recente, por intermédio da “delação premiada”, suas raízes apontam alguns dispositivos existentes já nas Ordenações Filipinas (1603), com a possibilidade colaboração premiada.

Na Convenção de Mérida (Decreto 5.687/06) e Convenção de Palermo (Decreto 5.015/04), o instituto disciplinava apenas a delação de coautores e partícipes.

Legislação Atual

Hoje, seu regramento principal encontra-se disposto na Lei 12.850/13 e positivado pelo Art. 3º A, popularmente conhecida como Lei das Organizações Criminosas, e aprimorada pela Lei 13.964/19, popularizada como Lei “Anticrime”.

A Lei “Anticrime” introduziu na Lei 12.850/13, a redação do Art. 3º A, que nos permite a definição de seu conceito e classificação, consoante entendimentos anteriormente consolidados pela doutrina.

O tema proposto também possui previsão na legislação especial, tais como a Lei 8.072/90 em seu Art. 8º (Lei dos Crimes Hediondos), Lei 9.613/98 em seu Art. Iº, §5º, Lei 11.343/06 em seu Art. 41, Lei 9.807/99 nos Arts 13 e 14, e internacionalmente, pela Convenção de Palermo e Convenção de Mérida.

Quem pode firmar um acordo de colaboração premiada?

Para que a colaboração aconteça de maneira efetiva, deve ser evidenciado ao menos uma das hipóteses previstas no Art. 4º da Lei 12.850/13, pelo investigado:

  1. a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
  2. a revelação de estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
  3. a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
  4. a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
  5. a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Evidenciado uma ou mais das hipóteses descritas, o benefício premial poderá ser concedido conforme a dicção do Art. 4º da Lei 12. da Lei 12.850/13:

  1. perdão judicial, acarretando a extinção da punibilidade (caput);
  2. redução de até 2/3 da pena privativa de liberdade (caput);
  3. Substituição de pena privativa de liberdade por pena restritiva de direito (caput);
  4. Imunidade processual, na hipótese de o Ministério Público deixar de oferecer denúncia, se a proposta do acordo de colaboração referir-se a infração de cujo a existência não tenha prévio conhecimento, e o colaborador não seja o líder da organização criminosa e/ou tenha sido o primeiro a prestar efetiva colaboração (§4º);
  5. redução da pena até a metade, em caso se colaboração após a sentença (§5º);
  6. progressão de regime, ainda que ausentes os requisitos objetivos, em caso de colaboração após a sentença (§6º).

Como funciona a colaboração premiada?

Para alguns, a natureza da colaboração premiada é dúplice: ao contribuir o colaborador, nos termos da Lei 12.850/13 com provas e informações relevantes à persecução penal, também será titular de benefícios premiais.

Assim, o colaborador, além de auxiliar na instrução e possibilitar a devida responsabilização da associação criminosa e de seus agentes, também poderá se utilizar do referido instituto como instrumento para sua defesa.

Para que o acordo de colaboração premiada se inicie, é necessário a formalização da proposta de acordo ao Ministério Público.

Após, a Lei 12.850/13 regulamenta, em seu Art. 3º B, o procedimento que será instaurado:

Art. 3º-B. O recebimento da proposta para formalização de acordo de colaboração demarca o início das negociações e constitui também marco de confidencialidade, configurando violação de sigilo e quebra da confiança e da boa-fé a divulgação de tais tratativas iniciais ou de documento que as formalize, até o levantamento de sigilo por decisão judicial. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 1º A proposta de acordo de colaboração premiada poderá ser sumariamente indeferida, com a devida justificativa, cientificando-se o interessado. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 2º Caso não haja indeferimento sumário, as partes deverão firmar Termo de Confidencialidade para prosseguimento das tratativas, o que vinculará os órgãos envolvidos na negociação e impedirá o indeferimento posterior sem justa causa. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 3º O recebimento de proposta de colaboração para análise ou o Termo de Confidencialidade não implica, por si só, a suspensão da investigação, ressalvado acordo em contrário quanto à propositura de medidas processuais penais cautelares e assecuratórias, bem como medidas processuais cíveis admitidas pela legislação processual civil em vigor. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 4º O acordo de colaboração premiada poderá ser precedido de instrução, quando houver necessidade de identificação ou complementação de seu objeto, dos fatos narrados, sua definição jurídica, relevância, utilidade e interesse público. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 5º Os termos de recebimento de proposta de colaboração e de confidencialidade serão elaborados pelo celebrante e assinados por ele, pelo colaborador e pelo advogado ou defensor público com poderes específicos. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 6º Na hipótese de não ser celebrado o acordo por iniciativa do celebrante, esse não poderá se valer de nenhuma das informações ou provas apresentadas pelo colaborador, de boa-fé, para qualquer outra finalidade. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

Assim, superadas as fases de negociação, cumpridas as exigências nos termos legais, o acordo de colaboração premiada será encaminhado ao juiz competente, que após oitiva (sigilosa) do colaborador e verificação dos requisitos, decidirá ou não por sua homologação.

Ainda, cumpre destacar que a proposta de acordo poderá ser efetivada até mesmo após uma sentença (em qualquer fase do processo).

Distinção acordo de colaboração premiada e delação premiada

Importante ressaltar a correta identificação dos institutos da colaboração premiada e da delação premiada. Apesar de semelhantes, existem elementos estruturais diversos entre os referidos institutos.

A “colaboração premiada” deve ser interpretada em sentido amplo e entendida como gênero. Já a “delação”, deve ser entendida como uma das formas de colaboração, sendo, portanto, espécie, no sentido estrito.

Tratam-se tais distinções de conceitos apontados, sobretudo, por parte da doutrina.

Para Renato Brasileiro de Lima, o autor que confessa a prática de um ato delituoso, sem apontar os seus comparsas, mas indica formas de recuperar os produtos do crime, não pratica delação, apesar de colaborar na persecução criminal, podendo se falar, neste caso, de acordo de colaboração premiada.

Quando a mesma colaboração é realizada, confessando não só o envolvimento, mas apontando os demais partícipes da organização criminosa, há de se falar em “delação”, daí se dizer que este seria “espécie”, enquanto a colaboração, seria “gênero” e possuiria sentido mais amplo.

A colaboração premiada na visão do Supremo

Os efeitos de homologação do acordo de colaboração premiada foram tratados pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC nº 127.483/PR:

Naquela ocasião, o Ministro e então relator Dias Toffoli, asseverou:

“A homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir em exercício de atividade de deliberação, limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo, não havendo qualquer juízo de valor a respeito das declarações do colaborador”.

No mesmo acórdão, pontua sobre o princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança:

tornam indeclinável o dever estatal de honrar o compromisso assumido no acordo de colaboração, concedendo a sanção premial estipulada, legítima contraprestação ao adimplemento da obrigação por parte do colaborador”.

No mesmo sentido, destacou o Ministro Luís Roberto Barroso:

se o Estado, pelo seu órgão de acusação, firma um acordo de colaboração premiada que ele, Estado, valorou ser do seu interesse, obtém as informações para punir réus mais perigosos ou crimes mais graves – e, portanto, se beneficia do colaborador -, e depois não cumpre o que ajustou, é uma deslealdade por parte do Estado e é a desmoralização total do instituto da colaboração premiada”.

Resta sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal, o entendimento de que o ato de homologação do acordo de colaboração, credita ao colaborador, o direito de percepção do benefício premial, desde que satisfeitos os requisitos legais na persecução penal, atingindo-se ao menos um dos objetivos expressamente previstos, consoante o disposto na Lei 12.850/13.

Considerações sobre a colaboração premiada

Evidente a importância do acordo de colaboração premiada entre investigado/acusado e Ministério Público/polícia, como mecanismo eficaz no combate ao crime organizado, desde que observados os seus requisitos legais, consoante disciplina a Lei 12.850/13 (Lei das Organizações Criminosas).

O presente artigo não possui pretensão de esgotamento da temática, diante da diversidade de entendimentos, críticas e debates que são propostos rotineiramente acerca do referido instituto.

Entretanto, resta evidente a sedimentação da legalidade e validade da colaboração premiada pelo Supremo Tribunal Federal e maior parte da doutrina.

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Referências Bibliográficas

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal: Provas. v. ú. 2. ed. Bahia, JusPODIVM, 2014.

SUXBERGER, Antônio. H.G. Colaboração Premiada e a adoção da oportunidade no exercício da ação penal pública. Apud: VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Colaboração premiada no processo penal. 3ª edição, ed. Revista dos Tribunais, 2020, p. 64.

PINHEIRO, Ricardo Henrique Araújo. Aspectos gerais do acordo de colaboração premiada. Migalhas, 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/304382/aspectos-gerais-do-acordo-de-colaboracao-premiada

SERGIO, Bessa. Lei anticrime e a impossibilidade de aplicação de benefícios não previstos em lei ao colaborador. Migalhas, 2022. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/336238/lei-anticrime-e-a-impossibilidade-de-aplicacao-de-beneficios-nao-previstos-em-lei-ao-colaborador

BRASIL. Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013. Define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção de prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal.

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