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Política Tarifária De Tics No Brasil: Desenvolvimento Socioeconômico

O comércio de produtos de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) é fundamental para que haja uma ampla adoção de tecnologias na sociedade brasileira. Isso reflete no uso por empresas de todos os portes e consumidores de ferramentas e produtos digitais que levem a mais empregos, crescimento e produtividade.

Os produtos de TIC impulsionam a inovação em todos os setores da economia e ajudam empresas e governo a se tornarem mais eficientes, eliminando as lacunas de oferta e demanda de infraestrutura e qualificação de mão de obra em todo o país.

A pandemia da SARS-CoV-2 (COVID-19) acelerou o processo de transformação digital no mundo. Durante a pandemia, o isolamento, a conveniência e a praticidade tornaram-se indispensáveis, o que forçou as empresas, governos e consumidores a se adaptarem e investirem em produtos de TICs.

Embora a promessa de transformação digital ajude a nivelar o campo de atuação de empresas e consumidores em todo o Brasil, infelizmente, políticas protecionistas para a indústria nacional de TICs limitam como essas tecnologias são alavancadas e implantadas.

Entre os desafios atuais da política no setor de TICs estão processos regulatórios contraproducentes locais e únicos, novos custos de produção relacionados à pandemia de COVID-19 e as altas tarifas cobradas sobre produtos de TICs importados.

As barreiras de acesso ao mercado na forma de tarifas sobre produtos de TICs são um obstáculo significativo para a implantação de tecnologias digitais. As políticas que fomentam um ambiente mais favorável para promover a inovação e mais acesso digital para os consumidores são cruciais para o desenvolvimento socioeconômico.

Infelizmente, as altas tarifas de importação de produtos de TICs restringem muito o desenvolvimento do setor digital no Brasil, colocando-o na retaguarda de outros países, ao mesmo tempo que desencoraja o investimento em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) de ponta pela indústria nacional.

O objetivo do presente artigo é analisar o panorama regulatório brasileiro de tarifação de TICs. O trabalho busca entender os impactos ocasionados pela ineficiência de políticas tarifárias que visem o amplo acesso à tecnologia.

Para tal finalidade, adotou-se o método científico utilizado é o indutivo, partindo da análise de textos legais e infralegais, jurisprudência e dados estatísticos, o qual auxiliará no entendimento objeto do artigo. A pesquisa é do tipo bibliográfica, e a conclusão alcançada é lastreada no material investigatório coligido.

Panorama Regulatório

Como membro do Mercosul, o Brasil é obrigado a seguir a Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul. Em 2010, o Mercosul emitiu a Decisão CMC nº 57 que permitia aos países membros reduzir, unilateralmente, as tarifas de produtos de TICs. O Mercosul continua a aplicar o entendimento da Decisão nº 57/2010 sobre novas medidas desde então.

Em 2019, o Brasil publicou a Portaria nº 309/2019 do Ministério da Economia, que permite à Câmara de Comércio Exterior (CAMEX) do Ministério da Economia. A norma tem como objetivo reduzir as tarifas de importação de produtos de TICs por meio do instrumento “Ex-Tarifário”.

Ademais, a Resolução nº 15/2020 e a Resolução nº 70/2020 listam as exceções de produtos específicos de TIC que têm suas tarifas reduzidas para 0% por meio do “Ex-Tarifário”. A maioria dos produtos de TICs da TEC não estão nas listas de exceção e atualmente paga-se entre 16% a 20% em taxas de importação no Brasil.

Além disso, de acordo com o relatório da OCDE “Mensurando Transformação Digital: Um Roteiro para o Futuro”, em 2017, as tarifas efetivamente aplicadas (barreiras diretas de acesso ao mercado) sobre bens TICs para o Brasil foi de 12,1%, enquanto a média dos países da OCDE foi de 0,7% (OCDE, 2019, p. 641).

Em 19 de março de 2021, a Comissão de Gestão Executiva da CAMEX (GECEX) publicou a Resolução nº 173/2021, reduzindo em 10% os Impostos de Importação de Bens de Capital e Bens de Informática e Telecomunicações. As tarifas foram reduzidas da seguinte forma:

Tarifa Externa Comum – TEC (%)Tarifa (%) aplicável após a Resolução 173/2021
0 ou 20
43,6
65,4
87,2
109
1210,8
1412,6
1614,4
Fonte: elaboração própria.

Embora a redução tenha sido em torno de 1 ponto percentual, ela mostra um movimento positivo do governo brasileiro para impulsionar a inovação e a competitividade do país. A redução atinge 1.495 produtos e já tem vigência. Por enquanto, a Resolução nº 173/2021 lista 924 códigos tarifários que são afetados pela redução tarifária.

Atualmente, o “Ex-tarifário” – regime aduaneiro criado pelo governo brasileiro para reduzir ou remover temporariamente impostos de importação de certos produtos – tem sido o mecanismo de escolha a fim de facilitar a aquisição de bens de capital e produtos de TICs na ausência de produtos nacionais, produção semelhante ou equivalente.

No entanto, a ausência de uma constância na redução ou remoção de impostos sobre TICs afeta diretamente o processo de digitalização do Brasil. Isso se dá pelo fato de que as importações de produtos e serviços de TIC ocorrem com volumes de pico e declínio conforme a favorabilidade produzida pelo “Ex-tarifário”.

Digitalização Do Brasil

Segundo a Deloitte, no Brasil, apenas 5% das cidades, ou seja, 300 de 5.570, têm cobertura completa de infraestrutura de banda larga (DELOITTE, 2019, p. 47). Além disso, o Brasil tem quase um terço do número total de usuários de Internet móvel na América Latina, correspondendo a 85 milhões do total de 231 milhões (DELOITTE, 2019, p. 59).

Por outro lado, estima-se que o tráfego de dados móveis cresça duas vezes mais rápido que o tráfego IP entre 2016 e 2021, e 77% do acesso móvel local será feito em smartphones até 2021 (DELOITTE, 2019, p. 59). Isso reflete nas deficiências políticas do país no quesito TICs.

Por exemplo, o Brasil passou da 9ª para a 10ª posição entre os países que mais investem em tecnologia entre 2018 a 2019. Neste último ano, o setor de software, serviços e hardware cresceu 10,5%, segundo a Associação Brasileira das Empresas de Software (ABES) (NOOMIS, 2020).

Já a International Data Corporation (IDC) estimou o valor da indústria brasileira de TICs em US$ 86 bilhões em 2019. Ainda, a IDC classificou a indústria pátria como a oitava no mundo, com 2,3% do total de US$ 1,2 trilhão, representando 36% dos latinos América, que atingiu US$ 242 bilhões.

Impacto Social E Econômico

A importância das tarifas de TIC é tamanha que impactam até a concorrência internacional. Por exemplo, um celular feito no Brasil é vendido nacionalmente com uma taxa de importação igual a zero, mas os telefones celulares importados de outros países chegam ao Brasil pagando uma taxa de importação (TEC) de 14,4%.

Isso restringe o acesso do consumidor a inovações tecnológicas que mitiguem problemas em seu dia a dia, além de impactar direta e indiretamente a eficiência produtiva e econômica dos setores que compram produtos de TICs, pois dependem de atualização e inovação constantes para competir players nacionais e internacionais.

Além disso, a estrutura das cadeias de suprimentos de TIC globalizadas sugere que quanto mais uma determinada indústria depende de componentes de sourcing de fora do Brasil (por exemplo, a dependência da Ásia), mais será impactada pelas tarifas (U.S. CHAMBER OF COMMERCE, 2019, p. 31).

No que diz respeito à economia, o setor das TICs pode contribuir para o crescimento do PIB, criar novos empregos, impulsionar o processo de inovação e adoção de novas tecnologias, bem como levar ao aumento da produtividade.

Isso ocorre através do acesso aos produtos TICs, bem como sua redução tarifária, que aumenta a digitalização de todos os setores econômicos ao permitir a disponibilização de tecnologia de ponta para as cadeias produtivas e a sociedade.

Assim, permite-se o uso individual das tecnologias através do acesso mais barato a produtos de TIC de alta qualidade (EUROPEAN COMMISSION, 2016, p. 11), pois quanto mais cara a tecnologia, maior o grau de compartilhamento de custos e baixo acesso a produtos de TIC (INTERNATIONAL TELECOMMUNICATION UNION, 2004, p. 4-6).

Os impactos econômicos diretos podem ser estimados medindo a contribuição do valor agregado das empresas que operam no setor de TICs para a economia, enquanto os impactos econômicos indiretos estão relacionados às compras de insumos de diferentes fornecedores na cadeia de produção.

No que se refere aos ganhos para a sociedade, o aumento dos níveis de digitalização da economia pode levar a maior inclusão social, igualdade e melhor qualidade de vida. Além disso, o setor de TICs pode impulsionar o desenvolvimento político do país e aumentar a eficiência da administração pública.

O Banco Mundial afirmou que as reduções nas barreiras tarifárias e não tarifárias às importações aumentariam a renda real das famílias, inclusive entre os 40% mais pobres da população, por meio de preços mais baixos ao consumidor e mais empregos com salários mais altos (BANCO MUNDIAL, 2018, p. 6).

A partir de uma perspectiva mais ampla, a redução dos custos do comércio aumentaria a competitividade dos produtores domésticos, proporcionando-lhes acesso a mercados externos maiores e permitindo-lhes explorar economias de escala e facilitando o acesso a novas tecnologias.

Conclusão

Conforme demonstrado ao longo do trabalho, é patente que as altas tarifas de importação de produtos de TICs geram barreiras de entrada à produtos internacionais que poderiam proporcionar um desenvolvimento mais acelerado do setor digital no Brasil. Tal descompasso histórico da política tarifária brasileira vai de encontro com a situação de globalização de TICs.

No entanto, com a recente promulgação da Resolução nº 173/2021 do GECEX, que reduz as tarifas de importação de TICs mencionada em detalhes acima, o Brasil caminha na direção certa para ser um player relevante no mundo digital. Isso tende a aumentar a competitividade do setor privado brasileiro por meio da inovação, geração de empregos e atração de investimento estrangeiro.

Além disso, a redução do custo de aquisição de bens de TICs proporcionará uma ampliação do acesso à tecnologia e consequentemente uma melhoria na oferta de mão de obra mais qualificada.

Portanto, o Brasil deve continuar sua política de redução fracionada das tarifas de importação de TICs com um cronograma previsível para cada redução, a fim de elevar o país ao patamar de competitividade de países da OCDE.

Referências Bibliográficas

ACEMOGLU, Daron; AGHION, Philippe; ZILIBOTTI, Fabrizio. Distance to frontier, selection, and economic growth. Journal of the European Economic association, v. 4, n. 1, 2006.

BANCO MUNDIAL. Jobs and Growth: Brazil’s Productivity Agenda. International Development in Focus. Washington, D.C.: World Bank.

BRASIL. Ministério da Economia. Portaria nº 309, de 24 de junho de 2019. Diário Oficial da União, 26 de junho de 2019, Edição 121, Seção 1, p. 24.

BRASIL. Câmara de Comércio Exterior. Resolução nº 15, de 19 de fevereiro de 2020. Diário Oficial da União, 20 de fevereiro de 2020, Edição 36, Seção 1, p. 28.

BRASIL. Câmara de Comércio Exterior. Resolução nº 70, de 16 de julho de 2020. Diário Oficial da União, 20 de julho de 2020, Edição 137, Seção 1, p. 37.

BRASIL. Câmara de Comércio Exterior. Resolução GECEX nº 173, de 18 de março de 2021. Diário Oficial da União, 19 de março de 2021, Edição 53, Seção 1, p. 32.

DELOITTE. Insights about Digital Transformation and ICT Opportunities for Brazil Report and Recommendations. Deloitte Publishing, v. 2, 2019.

EUROPEAN COMMISSION. Enhancing Access to, and the Use and Quality of the ICT. Directorate-General for Regional and Urban Policy Communication Unit, 2016.

INTERNATIONAL TELECOMMUNICATION UNION. ICTs as Enablers of Development: a Microsoft White Paper. ITU WSIS Docs, 2004.

MEDEIROS, Henrique. IDC prevê crescimento próximo de 5% em TIC no Brasil em 2020. Teletime.

MERCOSUL. Decisão nº 57 de 2010 do Conselho do Mercado Comum (CMC). Aprovada em 16 de dezembro de 2010.

NOOMIS. Setor de tecnologia cresce em 2019, mas Brasil cai em ranking de investimentos. Noomis Blog, 2020.

OECD. Measuring the Digital Transformation: A Roadmap for the Future. Paris: OECD Publishing, 2019.

OUCHI, Bruna. Pandemia acelera a transformação digital e reconfigura a atuação de TI. Veja, 2020.

U.S. CHAMBER OF COMMERCE. Assessing the Cost of Tariffs on the US ICT Competitiveness: Modeling US China Tariffs. U.S. Chamber of Commerce International Affairs, 2019.

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Autor: Gabriel Araújo Souto
Coordenador Internacional do Programa de Estudantes de Direito da American Bar Association Section of Antitrust Law. Estudante visitante do LLM de Global Antitrust Law & Economics da Antonin Scalia Law School of George Mason University. Acadêmico de Direito do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).

Este artigo foi publicado por meio do Projeto Editorial de Alunos do IDP.

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